quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O ÉDEM É BRASILEIRO !

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Belém
Quando Francisco Orellana desceu o rio Amazonas, no século XVI, em busca do Eldorado, ele descreveu a região como a parte da Terra mais próxima do Éden, provavelmente o caminho atravessado por Adão e Eva após sua expulsão do Paraíso. Passados quase cinco séculos do relato do navegador espanhol, a Pan-Amazônia, pela extensão de sua selva, seus recursos minerais, sua bio-diversidade, o vasto mar de água doce, seu gigantesco aqüífero, e sua posição geográfica, continua sendo vista como uma das regiões do globo onde se deposita a esperança da Humanidade. Tal como nos primeiros tempos da colonização a Amazônia se encontra no centro de um grande debate sobre de que forma pode e deve ser explorada e a quem deve caber a propriedade de seus frutos. Da mesma forma que há quinhentos anos atrás as populações que nela vivem são excluídas desta discussão.

Uma Amazônia de muitos povos

Historicamente, a colonização da Pan-Amazônia representou um enorme desafio para as potências européias: a vastidão do território a ser ocupado, as dificuldades que a selva apresentava para os empreendimentos colonizadores, a resistência indígena, entre outros fatores, trouxeram para a região um grande número de migrantes: dos africanos escravizados aos hindus,indonésios e chineses no Planalto das Guianas. No século XX, outras ondas migratórias se sucederam como a dos japoneses para o estado do Pará (Brasil) e outras intra-nacionais como ocorridas no Brasil, durante os auges da exploração da borracha e na esteira dos grandes projetos, como a estrada Transamazônica , a hidrelétrica de Tucuruí e a exploração pecuária no sul e sudoeste amazônico. Considerando que apesar das múltiplas mestiçagens, os povos indígenas da região mantiveram em boa parte seus idiomas e culturas originais temos como conseqüência um território que apesar de sua escassez demográfica apresenta uma variedade extraordinária de povos, comunidades e contingentes populacionais com culturas extremamente diversificadas. Cada um destes segmentos possui uma extraordinária história de lutas por suas terras, suas identidades e seus direitos contra a voracidade do capital e suas tentativas de dominação econômica, política, social e cultural, porém, estas experiências permanecem até hoje, em sua imensa maioria, isoladas sem se conectarem umas com as outras. Este fato representa um grave risco para os povos da Amazônia, principalmente nos tempos de globalização capitalista, quando os poderosos do mundo e as classes dominantes nacionais tendem a unificar seus pontos de vista e iniciativas econômicas e políticas.

O futuro da Amazônia está em jogo

Atualmente a Pan-Amazônia é uma região que se espalha pelo território nacional de oito países ( Suriname, República Cooperativa da Guiana, Venezuela, Colômbia, Equador,Peru, Bolívia e Brasil) e um Departamento da França (Guiana Francesa). Com exceção do Suriname, República de Guiana e Guiana Francesa, todos os demais são países com outras regiões, onde geralmente se concentra o poder político e econômico de cada Estado Nacional. Na década de 70 do século passado, por iniciativa do governo militar brasileiro foi criado a Organização do Tratado de Cooperação dos Países Amazônicos - OTCA, que pretendia a adoção, por parte dos países signatários, de políticas comuns para a Pan-Amazônia. Nos últimos anos, o pouco operativo OTCA tem sido substituído, na prática, por ações integradoras como a Iniciativa Regional Sul Americana -IRSA - sob cujos auspícios se constrói a estrada de ligação entre o Acre (estado da Amazônia brasileira) e a costa pacífica peruana, projetos bilaterais como as hidrelétricas do Rio Madeira na fronteira amazônica do Brasil e Bolívia, a exploração petrolífera na selva equatoriana pela brasileira Petrobrás e as várias iniciativas comuns entre o governos brasileiro e francês na zona de fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa. Cada um destes projetos traz graves conseqüências para as populações locais, que como de hábito não foram consultadas sobre os mesmos e serão obrigadas a pagar os altos custos sociais, culturais e econômicos de cada um deles. Paradoxalmente, foi em países pan-amazônicos.como a Venezuela, a Bolívia , o Equador , que a luta de resistência contra o neoliberalismo atingiu patamares mais avançados, culminando na eleição de presidentes comprometidos com o rechaço da política neoliberal e a construção de novas alternativas.

Se somarmos às iniciativas articuladas dos governos dos governos dos países pan-amazônicas com a pressão dos países ricos pela internacionalização da Amazônia verificaremos que a Pan-Amazônia se encontra num processo definidor do seu futuro, onde suas populações, até agora alijadas do debate, precisam se informar, se articular e serem capazes de ações conjuntas como condição indispensável para fazerem valer seus direitos e seus sonhos.

Conhecer e unir para lutar

Realizado pela primeira vez em Belém, no ano de 2002, o Fórum Social Pan-Amazônico procurou nesta e nas três edições que se seguiram ( Belém 2003, Ciudad Guayana -Venezuela- 2004 e Manaus 2005) ser um espaço de construção conjunta da resistência dos povos dos países pan-amazônicos e de discussão de alternativas populares. A oportunidade da realização do Fórum Social Mundial, na capital paraense, relança o debate sobre a sua atualidade e a necessidade de sua rearticulação.

De início nos parece que o FSPA deveria ser compreendido como um espaço dos movimentos sociais, organizações, entidades e representação dos povos dos países pan-amazônicos,independente de sua localização na região amazônica. Sobre este ponto a própria Natureza nos dá lições: afinal de contas sem os glaciares dos Andes peruanos não existiria o Rio Amazonas e o derretimento destes glaciares é uma das principais razões das surpreendentes secas que tem assolado a região brasileira do Baixo Amazonas. Esta compreensão, aliás a mesma que presidiu o FSPA original, é também conseqüência do fato que a Pan-Amazonia é uma região compartilhada por diversos estados nacionais e de que não existe nem é defendida por nenhuma força popular a proposta de constituição deste território como um estado próprio.

Em segundo lugar o FSPA deveria ser a plataforma de lançamento, acompanhamento e
desenvolvimento de campanhas de luta e solidariedade de âmbito internacional que poderiam inclusive, em alguns casos , adquirir caráter planetário em articulação com redes e movimentos de outros continentes. Na atual situação temas como a revisão do IRSA, a defesa dos territórios indígenas e quilombolas, o combate às monoculturas em terras amazônicas, o fim do trabalho escravo, o combate à privatização dos bens naturais, o fim da dominação francesa na Guiana, o fechamento das bases militares estadounidenses na Colômbia, a solidariedade ao processo democrático-revolucionário em curso na Bolívia e outras temas suscitam hoje ampla unidade dos atores sociais da Pan-Amazônia e deveriam ser transformados em ação concreta.

Em terceiro lugar, o FSPA deveria ser estimulador de contatos permanentes e ações conjuntas em nível local por intermédio da bem sucedida experiência dos Encontros Sem-Fronteiras.

Em quarto lugar, nas suas edições bi-anuais, o FSPA seria um espaço privilegiado de trocas de experiências e debates acerca de alternativas hoje já expressas em propostas como a constituição dos estados plurinacionais e o Bem Viver.

Por último cabe ressaltar que enquanto integrante da vasta constelação que compõem o Fórum Social Mundial, o FSPA abre a possibilidade de intercâmbio dos movimentos pan-amazônicos com seus congêneres no mundo inteiro, reforçando a ação comum e a solidariedade entre os povos.

Ao nosso ver, por todos estes motivos, a reconstrução do Fórum Social Pan-Amazônico é hoje uma imperiosa necessidade. Defendemos, portanto, seu relançamento, debatendo no interior do processo de convergências amazônicas do FSM, a reconstituição do Conselho Pan-Amazônico, a adoção de uma estrutura baseada em Grupos de Trabalho, capaz de dar conta das tarefas aqui delineadas e a marcação de sua quinta edição

O passado ilumina o futuro

Na história da Amazônia Brasileira existem dois momentos em que os povos, por cima de suas diferenças foram capazes de se unir para fazerem frente aos processos cruéis de dominação. O primeiro, no século XVII, foi a Confederação dos Povos Indígenas do Rio Negro que sob a liderança do tuxaua Ajuricaba se opôs valentemente à expansão colonial portuguesa na região. Já no século XIX, o movimento conhecido como a Cabanagem foi capaz de unir caboclos, indígenas, brancos pobres, negros libertos e escravizados contra um modelo de exploração e opressão da Amazônia. A luta destes nossos antepassados demonstra que a união dos povos da Pan-Amazônia é uma utopia necessária, possível e inadiável.

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